“Equidade” é um termo tão amplo quanto fugaz, e isso também se extende para o campo da arquitetura. Embora muitos arquitetos e arquitetas reafirmem constantemente seu desejo por uma maior equidade em nossa disciplina, motivações não são suficientes para alcançar resultados na prática. Além disso, há uma série de problemas históricos que contribuem e muito para que esses anseios ainda pareçam muito distantes de serem alcançados.
Nos dias de hoje, mulheres e homens dividem os bancos das escolas de arquitetura em pé de igualdade—pelo menos em números absolutos. Porém, quando nos deparamos com histórias de profissionais de sucesso em nosso meio, que por acaso são mulheres bem sucedidas e reconhecidas, ainda somos pegos com uma estranha expressão de supresa nos olhos. E isso diz muito sobre o longo caminho que ainda nos falta percorrer para quem sabe nos aproximarmos daquilo que chamamos “equidade” em nossa prática profissional. Somado a isso, a arquitetura em si também é um ofício um tanto díspar e desregulamentado—muitas vezes visto mais como um negócio do que uma profissão propriamente dita. Dois mundos até certo ponto incompatíveis e que com freqüência são separados e contrapostos. Neste sentido, embora possam existir situações de equilíbrio em uma das muitas camadas que compõe a prática da arquitetura, ainda hoje é difícil imaginar que uma completa equidade possa existir em nosso campo de atuação profissional.
Eu posso comparar seres humanos extraordinários sem medo de ser injusto, porque o meu trabalho me permite observá-los sob a mesma luz. Até o dia de hoje escrevi oito livros sobre o trabalho de quase 100 arquitetos e arquitetas. Ao invés de tentar reduzi-los a um mínimo denominador comum, sob uma lógica dualista que costuma confrontar arquitetos “modernos” e “tradicionais” em uma tentativa fugaz por definir seus estilos, optei sempre por exacerbar as características únicas dos trabalhos e as pessoas sobre as quais escrevi. Quando eu escrevo sobre o projeto de pequenas casas ou edifícios anexos ou reformas, estes edifícios são a razão pela qual escrevo e não uma desculpa para discutir um estilo ou tendência.
Em 1990, John Nolon e eu publicamos o livro “Common Walls / Private Homes”, uma espécie de compilação de vários projetos multifamiliares espalhados pelos quatro cantos do país. Naquela ocasião, decidimos incluir um projeto residencial não construído—o qual havia sido projetado por Dale Mulfinger e Sarah Susanka. O lançamento do livro foi uma tremenda contribuição para o trabalho de Sarah Susanka, que por primeira vez teve um de seus projetos publicado nacionalmente. Uma década depois, Sarah tornou-se uma figura unânime em todo o país, à medida que ela foi capaz de capturar como ninguém o espírito daquela época em seus projetos. Além disso, Sarah Susanka foi quem escreveu o famoso livro “The Not So Big House”.
As casas projetadas por Susanka que decidimos incluir naquele nosso primeiro livro, assim como aquelas que estamparam as páginas das edições seguintes, eram estruturas lindamente engenhosas, casas construídas em estrutura de madeira, espaços fluidos e de uma domesticidade ímpar e característica à arquitetura residencial da época. Susanka foi convidada diversas vezes para participar do show televisivo de Oprah Winfrey assim como em dezenas de outros programas em rede nacional. Ela ministrou dezenas de palestras pelo país, escreveu talvez mais de uma dúzia de livros e até criou um movimento que ela mesma chamou de “Not So Big Lifestyle”. Ainda assim, Sarah Susanka permanece até hoje como uma figura praticamente desconhecida por grande parte dos arquitetos e da imprensa especializada—situação que apenas realça a falta de equidade entre o mundo dos arquitetos de elite e aqueles que transitam pela cultura popular—onde seu trabalho encontrou validação infinita. Entre as páginas das revistas de supermercado assim como nos programas populares de TV, não há arquiteta mais famosa nos Estos Unidos do que Sarah Susanka.
Em 1997, escrevi e publiquei “Expressive Details”, uma coletânea com cerca de setenta detalhes construtivos desenvolvidos por mais de quarenta arquitetos. Naquela época, eu estava fascinado pelo trabalho de Anne Fougeron, quem contribuiu com dois exemplos apresentados no livro. Como no caso de Sarah Susanka, o trabalho de Anne Fougeron também explodiu alguns anos depois da publicação de seus trabalhos em um dos meus livros. Diferentemente porém, ela nunca foi convidada por Oprah para aparecer na telinha. Por outro lado, ela teve alguns de seus projetos publicados pela Architectural Record e pela Architecture Magazine além de ter sido galardoada em diversas ocasiões, inclusive pelo American Institute of Architects (AIA). A beleza expressa em cada detalhe de suas obras é a quintessência da sensibilidade moderna. Neste sentido, não há outro arquiteto ou arquiteta mais famosa neste mundo do que Anne Fougeron.
Sarah Susanka e Anne Fougeron, duas arquitetas de peso capazes de equilibrar uma balança sempre tão desfavorável. Apesar do incontestável sucesso de ambas, cada uma delas encontrou validação em esferas distintas da arquitetura. E porque? Na minha opinião isso resulta da cegueira histórica baseada na categorização da arquitetura e dos arquitetos e arquitetas a partir de critérios alheios a questões de mérito e diversidade na prática profissional da arquitetura. Neste sentido, é impossível alcançar a equidade em uma disciplina que opera por segregação.
A beleza é a alma da equidade. Podemos encontrar beleza em tudo ou quase tudo, incluso edifícios e estruturas construídas. Ainda assim, não podemos analisar toda a beleza presente no mundo sob uma mesma ótica. Há pessoas capazes de enxergar a beleza sublime do que é diferente e outras que as diferenciam por não querer reconhecer seus valores. Ao invés de se deixar levar pela beleza da arte de Susanka ou das linhas precisas de Fougeron, há aqueles que consideram seus edifícios “tradicionais” demais e aqueles que preferem chamá-los de “modernos” demais. Mais uma vez a dualidade se sobrepondo a equidade de julgamento.
Eu adoraria ver uma obra de Sarah Susanka na capa de uma destas revistas que são empurradas por debaixo da porta dos principais escritórios de arquitetura todas as semanas. Eu gostaria também que o trabalho de Anne Fougeron pudesse estar estampado nas revistas de decoração que colorem as prateleiras dos supermercados. Eu gosto de ambas as coisas. Eu vejo valor arquitetônico no trabalho tanto de uma quanto da outra. Não considero uma arquitetura melhor ou pior. O irônico disso tudo é que a falta de equidade em todas as outras esferas da arquitetura, desmente a pouca alegria e os pequenos avanços alcançados até hoje nessas magnífica profissão.
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